Hardcore: a explosão “casca-grossa” do punk que virou movimento global

Se o punk de 1977 já parecia uma bomba relógio prestes a explodir, o Hardcore veio como o estilhaço que atravessou gerações. Nas ruas empoeiradas do sul da Califórnia, entre ondas quebrando e rodinhas de skate rangendo no asfalto, nasceu um som ainda mais veloz, raivoso e direto ao ponto. Era como se os Ramones e os Sex Pistols tivessem tomado café duplo, acelerado os riffs e chutado qualquer resquício de glamour pela porta.

O cenário era simples: garotos suburbanos, surfistas queimados de sol e skatistas com joelhos ralados, todos apaixonados por punk rock e esportes radicais. Essa mistura de adrenalina com inconformismo social deu forma ao Hardcore, termo que em inglês significa “núcleo duro”, mas que no Brasil caiu como uma luva no apelido “casca-grossa”.

A gênese da brutalidade sonora

Entre 1978 e 1980, nomes como Dead Kennedys, Germs, Black Flag, Middle Class, The Adolescents, Suicidal Tendencies e Vicious Circle começaram a moldar o DNA do Hardcore. Há quem diga que o verdadeiro marco zero foi o EP Out of Vogue, do Middle Class. Outros defendem com unhas e dentes que o ponto de partida foi Nervous Breakdown, do Black Flag. A verdade é que ambos, lançados em 1978, soam como tijoladas sonoras: rápidos, agressivos e tão intensos que se tornaram manuais de sobrevivência para qualquer adolescente urbano de skate embaixo do braço.

O hardcore cruza o Atlântico

Enquanto isso, na Inglaterra, o clima político fervia. Se os Sex Pistols já tinham incendiado a cena, o Hardcore europeu veio como gasolina jogada em brasas. O visual era quase uma armadura de guerra: couro, correntes, espetos, bottons, pregos, arrebites e até socos ingleses. Mais do que música, era estética de confronto.

O estilo chegou com relativo atraso — só em 1982 —, mas quando apareceu foi devastador. Bandas como Anti-Cimex e Shitlickers (Suécia), Riistetyt, Kaaos, Rattus e Terveet Kädet (Finlândia), Upright Citizens (Alemanha), Eu’s Arse e Wretched (Itália) transformaram os porões europeus em trincheiras sonoras.

Hardcore à brasileira

Aqui no Brasil, o pontapé inicial foi dado pela lendária Restos de Nada, formada em São Paulo em 1977. Enquanto Nova York borbulhava com Dead Boys e Ramones, os garotos paulistanos já criavam um som mais rápido, ríspido e violento que o punk tradicional. Dá pra dizer, sem medo de errar, que eles foram pioneiros do Hardcore ao lado dos californianos.

Mas o movimento cravou mesmo suas raízes no país em 1982, com a coletânea Grito Suburbano. O disco reuniu nomes que se tornariam pilares do som “casca-grossa” brasileiro: Olho Seco, Cólera e Inocentes. Daquele momento em diante, o Hardcore se espalhou como corrente elétrica pelos guetos, sempre acompanhado de letras afiadas e uma energia que não cabia nos palcos pequenos.

Muito além do som: um estado de espírito

Mais do que apenas música, o Hardcore era uma declaração: viver rápido, confrontar injustiças, gritar contra tudo e todos. O gênero virou um símbolo de resistência urbana, ecoando nos porões, nas praças, nos shows improvisados em galpões.

Cada riff, cada grito, cada batida de bateria era um murro na cara do status quo. O Hardcore não queria agradar, queria sobreviver — e nessa sobrevivência, forjou uma das cenas mais intensas e apaixonadas da história do rock.